Mirelle de França e Zean Bravo, O Globo

Atire a primeira pedra preciosa quem nunca, nem por um minuto, ficou hipnotizado em frente à TV assistindo ao programa "Medalhão persa". Admita: pelo menos uma vez você quase sucumbiu aos apelos daquela mão misteriosa repleta de jóias e por pouco não ligou para comprar um anel. Agora, confesse: quem, numa madrugada insone, nunca sintonizou na coreografia simplória das meninas do colorido "Fantasia", do SBT, ao mesmo tempo em que tentava descobrir onde estava o grande prêmio de mil reais ou em que forno encontrava-se um frango assado cenográfico... Assustado? Esses são apenas dois exemplos da programação da madrugada, o horário menos nobre e mais ingrato da TV aberta, mas que - apesar disso, e por algum mistério inexplicável, já que a qualidade é baixa - cativam fãs notívagos, aficionados por tudo o que é trash.
- Aquele rodízio de jóias é hipnotizante. Para mim, é como um mantra - diverte-se a DJ Leïlah Accioly, que costuma varar madrugadas assistindo ao programa "Medalhão persa", que vende jóias e tapeçaria através de lances dados pelo telefone.
Para Leïlah, o programa tem uma aura de mistério. E uma estética pra lá de estranha:
- A imagem é amarelada, o cenário mais parece o de uma corretora de imóveis, dá para ouvir um pianinho clássico de fundo, os telefones tocando ao longe... - enumera.
O "Medalhão persa" é um ícone das madrugadas há 13 anos. É uma produção independente, transmitida pela Rede Vida, CNT e canais eventuais da NET e da TVA. Gravado em Curitiba, no Paraná, ocupa três estúdios, emprega mais de 100 funcionários e movimenta R$ 4 milhões por mês. Em breve, o "Medalhão", que já ganhou até um genérico, o "1.001 noites", terá um canal 24 horas. Quem conta, orgulhoso, é o iraniano Masoud Jafari, de 50 anos, criador do programa.
- Começamos vendendo tapetes, mas percebemos que as jóias faziam mais sucesso, principalmente entre as mulheres. Vendemos cinco mil peças por mês em média - diz Jafari.
Sem querer, o programa também acabou aguçando de forma incontrolável a curiosidade: de quem são aquelas mãos e orelhas repletas de jóias? Há pelo menos três apresentadoras. Uma delas é Adriana Lopes.
- É uma loucura: querem saber a cor do esmalte, o nome da minha manicure e alguns vêm até o estúdio só para ver meu rosto.
Ex-assistente de palco de Gugu Liberato, Helen Ganzarolli também experimenta a popularidade ao lado de Caco Rodrigues no "Fantasia" (
veja trecho ), a bizarra gincana das madrugadas do SBT, que dá média de três pontos de audiência e já teve a ex-dançarina Carla Perez, a cantora Tânia Mara e até a atriz Fernanda Vasconcellos em versões anteriores, exibidas em horários mais nobres. Ao vivo, o programa coleciona uma série de gafes, como a da ex-dançarina do Tchan, que certa vez perguntou ao telespectador: "Você escolheu a letra 'i' de escola?"
- Não tive maiores micos, mas claro que já troquei os nomes das dançarinas. Recentemente entraram quatro novas e durante a prova dos "Naipes" troquei sem querer. Acontece. Estamos ao vivo e temos 35 mulheres no palco - justifica Helen, escolada em inibir participantes animados - Sempre tem um bonitinho assanhado comigo. Mas eu brinco e com jeito eles se comportam.
Helen não se importa com críticas ou audiência.
- O público é o maior termômetro. O "Fantasia" foi sucesso nas outras versões e agora não é diferente. Por onde passo, ouço: "Sou fã do SBT" - garante a morena, que premia com R$100 os telespectadores que iniciam o telefonema dizendo a tal frase.
Há quem ache graça a cada repetição desse "grito de guerra" do programa.
- Os participantes do "Fantasia" vibram e pagam mico. É surreal - diverte-se o estudante Caio César de Andrade, 20 anos, viciado na atração.
Além de apresentar, Caco Rodrigues dirige o "Fantasia", que costuma homenagear o participante tocando o hino do seu estado, com direito a uma indescritível coreografia das dançarinas.
- O programa também está sempre testando brincadeiras novas - informa Caco.
Na linha do inacreditável "Insomnia", o "Hyper QI" (
veja trecho ), na Rede TV!, parece não carecer dessa preocupação. O game, transmitido em um horário vendido pela emissora, alardeia prêmios em barras de ouro e é capaz de exibir por mais de meia hora apenas um joguinho de palavras embaralhadas. Quem tenta participar, além de ter que pagar pelas ligações, pode perder a paciência: antes de entrar ao vivo, o telespectador deve responder a uma série de perguntas para ter a pontuação necessária.
Segundo a produção do "Hyper QI", a madrugada foi escolhida por ser "muito difícil encontrar horários disponíveis em televisão". Para os fãs dos programas da madrugada, essa dificuldade pouco importa: viciados em trash estão sempre zapeando. O chef de cozinha Renato Ribeiro, por exemplo, aproveitou um intervalo do "Fantasia", seu preferido, para descobrir o "Hyper QI".
- Sei que há programas muito melhores na TV, com qualidade. Mas acho irresistível. Até liguei para o "Fantasia", mas não consegui participar - revela Ribeiro, que não tem TV a cabo.
Outra atração de sucesso improvável é o "Dança comigo" (
veja trecho ), exibido na madrugada de domingo para segunda-feira na Band Rio. O apresentador Jonas Santana se orgulha de ter lançado o atual fenômeno do funk carioca: a "Dança do Créu". Durante meia hora, moças de roupas justas exibem suas curvas ao som de "lançamentos" como MC Dentão e MC Crystal. Apenas no site de relacionamentos Orkut, a comunidade do programa, também independente, tem quase seis mil participantes.
- Tenho 1.900 grupos querendo se apresentar no "Dança comigo", já consegui quatro pontos no Ibope. Isso é coisa à beça - comemora Jonas.
Texto original:
http://oglobo.globo.com/cultura/revistadatv/mat/2008/02/29/programas_trash_exibidos_na_madrugada_como_fantasia_medalhao_persa_atraem_uma_legiao_de_fas_insones-426022716.aspEu assisto a todos eles!!! \o/